:: ArtigosA falência do modelo de negócios das livrariasEduardo Villela11/01/2019 15:05:00Publicada em
1981, “Crônica de uma Morte Anunciada”, uma das obras primas do colombiano
Gabriel García Márquez, ironicamente poderia se tornar a manchete que retrata a
crise atual dos mercados editorial e livreiro no Brasil. Para muitas pessoas, a
notícia da situação financeira das livrarias Saraiva e Cultura foi recebida com
surpresa, mas para quem é do setor, o cenário já era há tempos anunciado.
Com quase 15 anos de atuação como
editor e-Book Advisor, pude acompanhar de perto o comportamento do mercado de
livros no país e, dessa forma, perceber que a raiz do problema está no modelo
ultrapassado de relação comercial entre editoras e livrarias. Por ordem de
importância, destaco algumas das principais razões que impulsionaram a queda dessas
redes varejistas e de muitas outras livrarias.
O impacto negativo da consignação
Diferente de outros segmentos da
economia, a negociação entre livrarias e editoras é regida pela consignação.
Explico de uma maneira simples: a consignação acontece quando as editoras
enviam quantidades de exemplares impressos de seus livros para as livrarias e
as livrarias não pagam nada por esses livros. Ou seja, elas não compram os
livros, que continuam pertencendo às editoras. Elas simplesmente abrem espaços
em suas prateleiras e demais móveis expositores e colocam ali as obras que
receberam das editoras à venda.
A princípio, esse modelo pode
parecer vantajoso, mas não é. Como as livrarias não compram os livros, e os
exemplares das obras que colocam à venda em suas lojas pertencem às editoras, o
seu nível de comprometimento em comercializá-los deixa muito a desejar. Isso é
ruim, já que não basta apenas disponibilizar os livros nas estantes, é preciso
realizar esforços e ações consistentes em lojas que incentivem o leitor a
adquiri-los. Só se empenha 100% na venda de um produto aquele varejista que
efetivamente compra de seu fornecedor!
Nesse modelo comercial, todo início
de mês, as livrarias devem prestar contas às editoras reportando o número de
exemplares vendidos de cada um de seus livros durante o mês anterior. A partir
daí as livrarias ficam com uma margem média de 35% a 60% do preço de capa do
livro e acertam o valor restante com as editoras em um prazo que pode variar
entre 30 a 120 dias.
Reposição de estoque
Outro ponto importante dessa crise
está na ineficiência de controle e reposição de estoques das livrarias.
Consequência direta do modelo de consignação, o processo para o reabastecimento
de livros é moroso, o que faz com que o leitor muitas vezes não encontre a obra
que procura ao visitar uma livraria. É o famoso: “Está em falta, senhor”. A
consequência disso, além da frustração do consumidor, é a queda nas vendas.
Tal problema estaria solucionado se
houvesse a adoção, por parte das livrarias, de um sistema integrado de estoques
com as editoras, assim como acontece em outros setores, como o supermercadista.
Essa é uma demanda antiga que s editoras solicitam às livrarias. No caso dos
supermercados, o fabricante de detergente, por exemplo, ao acessar o seu sistema,
que é diretamente conectado ao sistema da empresa de supermercados, consegue
acompanhar quantas unidades do produto foram vendidas diariamente ou
semanalmente, bem como visualiza o estoque que ainda resta nas lojas. Assim,
rapidamente, o sistema do supermercadista informa se é necessária a reposição
de estoque e já gera, de forma automatizada, o pedido de uma nova quantidade de
frascos de detergente, não sendo necessário o fornecedor ficar perguntando ao
varejista como estão os estoques, quando a reposição ocorrerá, e em qual
quantidade.
Atendimento ao consumidor
Outro problema que contribui para a
crise das livrarias é a baixa qualidade do atendimento aos leitores nas lojas.
O turnover de atendentes costuma ser alto, a sua remuneração baixa e eles são
mal preparados. Em raros casos, quando um cliente busca um livro de determinado
assunto, o atendente consegue orientá-lo adequadamente, fazendo uma indicação
certeira. Normalmente, o atendente corre para algum dos computadores da loja,
faz uma pesquisa de livros por meio de palavras-chave e desta busca resultam
alguns, ou vários títulos encontrados, o que deixa ele próprio e o cliente
ainda mais confusos. Por conta dessa situação, muitos leitores perdem o tesão
de ir até as livrarias, realizam pesquisas de títulos por conta própria e
compram pela internet.
Pouca variedade de livros
É notório que
nos últimos anos, as livrarias têm dado mais espaço e destaque em loja para
best-sellers, obras de autores famosos e de temas que estão na moda. A meu ver,
isso é um problema, pois a concorrência via preço nesses segmentos é bastante
acirrada com os sites que vendem livros e entre as próprias redes de livrarias,
o que resulta em um achatamento em suas margens.
Além disso, a diminuição gradativa
do sortimento de livros nos últimos anos causa perdas importantes de vendas
para as livrarias. É frustrante para um leitor entrar em uma livraria com uma
lista de livros que procura e não os encontrar como habitualmente acontece.
Novamente, o cliente é incentivado a fazer suas compras online.
É urgente, portanto, ampliar a
disponibilidade de obras de assuntos variados, específicos, e que estão fora do
mainstream nas livrarias.
Promoção de eventos
Outra iniciativa que considero
importante é a de criar um calendário de eventos culturais, educativos e de
entretenimento mais consistente nas lojas, e divulgar melhor estes eventos para
o público, seja via redes sociais, e-mail marketing e imprensa. Sessões de
autógrafos e atividades para públicos específicos em algumas épocas do ano (ex:
atividades para crianças durante os meses de férias) não são suficientes para
que os clientes retornem às lojas. É preciso trazer os escritores com mais
frequência às livrarias para palestrar, contar histórias e interagir com os
leitores. É necessário ter um calendário diversificado de eventos para
diferentes públicos o ano todo.
Mudar esses pontos citados acima é,
sem dúvida, um desafio que não se resolve da noite para o dia. É preciso que
haja, sobretudo, uma mudança estratégica na gestão de grande parte das
livrarias, deixando para trás um modelo falido de negócios que em nada
contribui para o desenvolvimento do mercado livreiro no Brasil.
Eduardo
Villela*
*Eduardo
Villela é book advisor e, por meio de assessoria personalizada, ajuda pessoas a
escrever e publicar suas obras.
*O texto é
opinativo, e não reflete necessariamente a opinião do veículo onde publicado
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