:: ArtigosInvertebradosGaudêncio Torquato19/11/2019 10:32:00Jair Bolsonaro, com
sua caneta cheia de tinta, sai do PSL e anuncia a criação de um novo partido,
Aliança pelo Brasil, que ficará sob seu mando. Se arrumar 500 mil assinaturas e
conseguir que o TSE aprove a nova sigla até maio de 2020, teremos a eleição
para prefeitos e vereadores em outubro com sua participação ao lado de outras
30. O que é comum a essas entidades? A luta pelo poder. Sem nenhum verniz
ideológico.
Lula da Silva, o
maior líder da oposição, que disse sair da prisão “mais à esquerda”, estará
também na luta, desfraldando a bandeira do socialismo como prega o
ex-todo-poderoso José Dirceu. Será o grande teste antes do jogo de outubro de
2022. Lula, na condição de condenado em 2ª instância, não poderá ser candidato.
Porém, por nossas plagas tudo é possível. Basta que o processo que o condenou,
o do tríplex, seja anulado para ele adquirir e elegibilidade. Bolsonaro, pelo
lado direito, continuará a puxar o cabo de guerra e a mobilizar a militância.
Situação e oposição,
desde já, se preparam para o embate. Que doutrinas balizarão os próximos
tempos? O socialismo de Dirceu? O que isso significa? Um Estado paquidérmico,
com 600 empresas e autarquias, a sustação do processo de privatização? E o
liberalismo de Bolsonaro? Será entendido que as forças do mercado darão o tom
da política, sem intervenção do Estado na correção de desvios e situações
anômalas? E a social-democracia, a terceira via encostada pelo tucanato,
disporá de novos crentes? Quem se habilita a resgatar seus eixos?
Vamos a uma pequena leitura da
política, aqui e alhures. O que se observa no cenário é um
fenômeno que se pode chamar de embaciamento do jogo político, ou, como denomina
Roger-Gérard Schwartzenberg, uma “uniformização no cinzento”. O
posicionamento dos partidos em zona cinzenta aponta para a gangorra que os
caracteriza. Quer dizer, estão eles identificados com o pragmatismo, a política
de resultados.
Cada vez mais assemelhados, partidos
e líderes se afastam do campo doutrinário, interessados apenas na luta do
“poder pelo poder”. Alternativas para construção de avanços que, em tempos
idos, eram fincadas em bases sólidas de um ideário são, agora, substituídas
por um discurso de oportunidade, balizado em questões pontuais, como carga de
impostos, reformas (previdência, trabalho), projetos polêmicos, comportamentos
e desvios de agentes públicos.
Não se quer dizer que tal escolha é
condenável. Impõe-se, porém, acentuar o papel dos partidos no debate sobre um
projeto de longo alcance para o País. O que pensam os partidos a respeito de
uma estratégia para o desenvolvimento? Em sua trajetória, o PT, maior partido
de oposição, caminhou em direção ao centro, ocupando flancos da
social-democracia. Os grandes partidos da situação refugiam-se em um “centrão
democrático”. Em suma, os entes partidários se encontram, hoje, reunidos nas
salas e antessalas do poder, onde se serve geleia insossa e inodora.
Mesmo nos EUA, onde os partidos
Republicano e Democrata dominam a política desde 1852, abrigando a grande
maioria do eleitorado, cresce a tendência para a pasteurização do discurso. Lá
ainda se consegue enxergar que os republicanos são mais fiéis aos princípios do
nacionalismo e da ênfase no individualismo, no moralismo e na religião,
sustentando a base do conservadorismo. E os democratas se posicionam mais na
banda esquerda do Centrão, havendo até protagonistas com certo ar radical, como
o senador Bernie Sanders, este que faz questão de avocar índole socialista.
Na Europa, os partidos social-democratas
ganharam força em um primeiro ciclo e hoje tentam reconstruir suas identidades,
sob a ascensão da direita. Na nossa América Latina, a instabilidade se
generaliza. O Chile do liberal Piñera vê multidões nas ruas. No Uruguai, a
esquerda pode ceder o poder para a direita. A Argentina volta a desfraldar a
bandeira kircnherista com a vitória do Alberto Fernández e de Cristina. Peru
vive momento tormentoso. No Equador, a ciclotimia entre esquerda e direita
também se instala. Na Bolívia, Evo renuncia sob pressão das Forças Armadas e
suspeição de fraude eleitoral.
Aqui, uma grande interrogação está no
ar: onde vamos parar? O vale-tudo é o jogo imposto pelo domínio da máquina e
não pelas ideias. Uma leva de partidos, infidelidade, alianças movidas por
interesses momentâneos e o experimentalismo político de parcela dos
representantes. No deserto, só se vê areia. E animais invertebrados. Sem nenhum
vale.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor
titular da USP, consultor político e de comunicação
Twitter @gaudtorquato
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